Nam Van de Henrique de Senna Fernandes Sandra Wong

Licenciou-se em Tradução e Interpretação Português-Chinês e concluiu o mestrado em Literatura Portuguesa. Era colunista, dedicando-se a promover a cultura e a história portuguesa e chinesa. Agora é revisora de uma revista académica.

Nam Van de Henrique de Senna Fernandes

Nam Van: Contos de Macau, de Henrique de Senna Fernandes, foi publicado em 1978. O escritor macaense intitulou o livro com o nome chinês de um lago em Macau — “Nam Van”, que corresponde em português à zona conhecida como Praia Grande — para homenagear o local onde passou a sua infância. Na visão dele, “falar de NAM VAN é toda uma evocação de Macau.” Nam Vam é constituído por seis contos, os quais para além de nos levarem a viajar até à Macau da época em que este lugar ligava o mar e era marcado pela paisagem dos juncos — onde hoje se ergue o centro da cidade, com edifícios altos e ‘longe do mar’ — retratam também a paisagem sócio-cultural de Macau dessa mesma época.

O primeiro conto, A-Chan, A Tancareira, é considerado a obra mais precoce do autor. Foi escrito em 1950, enquanto estudava em Coimbra, movido por uma vontade nostálgica de evocar a cidade onde nasceu e cresceu. Senna Fernandes recebeu, no mesmo ano, o Prémio Fialho de Almeida dos Jogos Florais da Queima das Fitas da sua alma mater.

A-Chan, A Tancareira é um conto de amor triste entre uma tancareira chinesa — A-Chan, e um marinheiro português — Manuel. Embora pertençam a etnias diferentes, ambos partilham uma ligação com o mar: a tancareira vive sobre a água e ganha o pão com a tancá, enquanto o marinheiro português tem uma grande paixão pelo mar e também depende dele para viver. O primeiro encontro entre A-Chan e Manuel dá-se: “num baço entardecer de Verão, ao singrar rente à canhoneira Macau, um marujo gritou para ela. Pedia em chinês inédito que o transportasse a terra […]” (Senna Fernandes, p. 11). Este amor romântico leva A-Chan a engravidar, dando à luz a primeira geração mestiça — Mei Lai.

Na sociedade de Macau, os mestiços sino-portugueses, ou luso-descendentes, são designados por “filhos da terra”. Com a mãe tancareira e o pai marinheiro, a família enraíza-se (ainda que temporariamente) em Macau e desfruta da felicidade de criar uma vida juntos. Após a derrota do Japão, Manuel recebeu ordens para abandonar Macau. Preocupado com o futuro da filha, teme o que poderá acontecer-lhe se a deixar para trás. No fim do conto, A-Chan entrega-lhe a filha com o coração apertado, confiando-lhe a esperança de um futuro melhor — sem que o autor revele o que acontece a A-Chan. Sendo o primeiro conto, A-Chan e Manuel representam o símbolo da família sino-portuguesa, da qual nascem os “filhos da terra” — frutos da fusão entre duas culturas. Pergunta-se: terão os “filhos da terra” enraizado em Macau? Senna Fernandes oferece respostas distintas nos capítulos seguintes.

No segundo conto, a narrativa é feita na primeira pessoa. O “eu” é um estudante macaense em Coimbra que, por ocasião do Natal, passa as férias em Lisboa e janta em casa de conhecidos macaenses, procurando atenuar “os momentos mais difíceis [que] eram os da quadra do Natal” (Senna Fernandes, p. 22). Embora a comunidade macaense herde a cultura portuguesa, isso se deve, em grande parte, ao facto de um dos progenitores ser oriundo do mundo lusófono. Quando o “eu” estava em Portugal, sentia-se como o Outro dentro da sociedade portuguesa e sentia saudades de Macau. Um Encontro Imprevisto com uma mulher bonita no comboio oferece ao jovem macaense solitário um espaço imaginário onde projecta uma possível família com ela e um futuro partilhado. Senna Fernandes revela, neste conto, a confusão identitária dos “filhos da terra”.

Os episódios Chá com essência de cereja e Candy apresentam protagonistas que, nos primeiros anos de vida, ocupavam uma posição social mais baixa: o amigo do narrador, Maurício, é um órfão macaense, enquanto Candy é uma refugiada macaense vinda de Hong Kong. Maurício é como as três primeiras letras do seu nome — MAU. Roubo, briga e sedução: pratica tudo com uma habilidade quase rotineira. “O conflito abriu as portas a negociatas escuras” (Senna Fernandes, p. 51). Maurício fez fortunas, licitando o gozo de desflorar uma moça da Rua da Felicidade. Muitos anos depois, a experiência com a cantadeira ainda vive na sua memória. Por mero acaso, reencontram-se em Hong Kong, casam-se e emigram juntos para o Japão.

Candy vivia em Hong Kong. A “filha da terra” fugiu para Macau durante a guerra e teve uma relação romântica com “ele” — um jovem macaense. Entretanto, a guerra ensinara-lhe uma lição: Candy tinha “um espírito prático e materialista, […]se tivesse que casar, seria com um homem rico” (Senna Fernandes, p. 72). Esta relação sem compromisso terminou antes mesmo de começar. O episódio retoma vinte e quatro anos mais tarde, quando “ele” vive no Brasil e regressa a Macau para uns dias de férias. Reencontra Candy em Hong Kong, ou melhor, esposa do membro do ilustre Conselho Legislativo — Mrs. Morris-White. Candy, embora seja macaense, abandona a tradição e os costumes da sua comunidade para se adaptar ao marido inglês. No reencontro entre “ele” e Mrs. Morris-White, ela arrepende-se de ter rejeitado a sua identidade: “Era sempre uma outsider, uma de fora, […] eu não devia rejeitar as minhas raízes ancestrais” (Senna Fernandes, p. 89).

As narrativas dos episódios Uma pesca ao largo de Macau e A Desforra Dum China-Rico parecem estabelecer uma comparação entre a família burguesa macaense e a tradicional chinesa. No primeiro conto, o narrador relata a história do seu Avô Conde, retratando com minúcia a vida da alta burguesia e a paisagem de Macau no século XIX. Durante uma pescaria, o Conde salva um homem chinês desconhecido. Descobre, posteriormente, que o homem é pirata e criminoso e que na “terra-china era fora-da-lei” e cidadão digno na Cidade do Nome de Deus de Macau. O pirata promete que será, “desse dia em diante, seu irmão e seu escravo até morte” (Senna Fernandes, p. 45), passando a oferecer-lhe jóias preciosas e presentes valiosos em sinal de gratidão. A amizade profunda entre os dois homens torna-se um símbolo da convivência pacífica e da fusão cultural.

O último conto A Desforra Dum China-Rico é o mais extenso e destacado da obra, sendo o único que retrata uma família tradicional chinesa. Narra-se uma série de infortúnios da família Cheong, a qual enriquece da noite para o dia em Cantão. O filho da segunda geração da família Cheong casa-se com Pou In — filha da família mais honrada da cidade. Esta aceita o casamento porque a sua família se encontrava à beira da falência, dependia de um dote generoso. Pou In nunca amou verdadeiramente o seu marido, chega mesmo a odiá-lo. Começa a entregar-se ao jogo de má-cheok e ao teatro, acabando por se envolver com um actor. Quando o jovem Cheong descobre a traição da esposa, começa a elaborar um plano de vingança: recrutar uma prostituta leprosa para infectar o actor que, por sua vez, transmitiria a doença à esposa. A vingança sucedeu e Cheong arraiga-se em Macau durante a guerra.

Desde o primeiro conto — que narra o nascimento da primeira geração dos “filhos da terra” — até à confusão identitária dos macaenses, percebemos que há “filhos da terra” nos contos de Nam Van que, por diferentes razões, partiram de Macau para outros lugares. Mesmo estando em Lisboa, sentiam-se solitários e como o Outro dentro daquela sociedade. Macau é o lugar onde se testemunha uma harmonia cultural, carregando gerações e gerações de chineses, portugueses e “filhos da terra”. Embora alguns tenham optado por desenraizar-se, há também aqueles que escolheram enraizar-se profundamente neste solo.

Os contos de Macau continuam a ser escritos.

Nam Van: Contos de Macau

▸ Nam Van: Contos de Macau

Autor:Henrique de Senna Fernandes

Editora:Instituto Cultural

Data de Publicação:1997

Life is suffering; what’s the meaning of life? Chiang Hio Fai

A PhD Student in philosophy and the producer of a popular philosophy YouTube channel . His collaborative essay, Expert vs. Influencer: Philosophy Presented Under Conditions of Second-Order Observation published by De Gruyter, reflects how knowledge is presented in the digital age.

Life is suffering; what’s the meaning of life?

In a world where uncertainty is the only certainty we have, living is not easy. In his bestselling book 12 Rules for Life: An Antidote to Chaos, Dr. Jordan B. Peterson shares practical psychological and philosophical advice on how to navigate a world full of chaos. However, it would be dishonest not to mention that Peterson’s writing might not be approved by everyone, including my philosophical mentor, Professor Hans-Georg Moeller. This is partly due to Peterson’s style and partly due to the lack of rigor in his philosophical writing. However, when I reflect on my life over the past eight years, I cannot ignore the positive influence Jordan Peterson has had on my psychological and philosophical journey. There is no doubt that Peterson’s book is an excellent gateway for anyone who longs for a meaning of life.

“Life is suffering. That’s clear. There is no more basic, irrefutable truth,” Peterson starts off his Rule 7, “Pursue what is meaningful (not what is expedient)” with this important recurring motif. Confronted with the reality that life is full of suffering, injustice, and impermanence, can we still find anything that is truly meaningful? Especially in this age, when information is no longer something we need to seek out, news—both good and bad comes at us every second from every direction. Yet, we can never truly catch up. It is very easy to feel like we have little control over this rapidly changing, abstract, and vast environment, which undoubtedly influences our lives immensely. Often, this stresses us out.

Facing a fast-changing world, Peterson suggest in Rule 6 of his book: “Set your house in perfect order before you criticize the world”. There are many things in this world that we cannot control, but there are also many things within our immediate control, in one way or another. Many people have mocked this rule, saying this is ignorant in the face of the many systematic problems we have inherited from past generations. However, Peterson asks us to recognize that everything has to start small. He does not deny that our environment has a huge impact on how and what we can act upon. Yet, precisely because of this, we need to be careful when constructing our environment at home, as it crucially shapes our behaviors. Peterson writes: “…because there is much more of the world than there is of you. You must shepherd your limited resources carefully. Seeing is very difficult, so you must choose what to see, and let the rest go.”

Peterson understands the profound wisdom that lies in traditions and finds meaning in them. To understand the state of our life in a broader level, Peterson draws heavy inspiration from Taoism, an extremely profound philosophical tradition in China. He interprets the famous Taoist yin-yang symbol as a powerful illustration of a core truth: existence is made up of two opposing yet complementary forces—chaos and order. The yin yang symbol, a circle containing two intertwined serpents, represents this duality. The black serpent symbolizes chaos and contains a white dot, while the white serpent represents order and contains a black dot. Chaos and order constantly transform into one another. Nothing remains fixed; even the most stable things are subject to change. Peterson suggests that the Taoist symbol of yin and yang not only reflects this balance but also offers guidance for how to live: “The Way, the Taoist path of life, is represented by (or exists on) the border between the twin serpents. The Way is the path of proper Being.”

Chaos is not merely something bad that we should eliminate. Chaos and order are not only opposites but also interdependent elements that define existence. Change, as a natural and necessary part of life, often opens the door to endless possibilities. Understanding the nature of existence is not merely kind but often chaotic and always changing. Peterson suggests that understanding and equipping ourselves is a habit we must develop; otherwise, the worst could happen to us and our loved ones when we are confronted with chaos. He writes: “And if you think tough men are dangerous, wait until you see what weak men are capable of.” By no means Peterson is merely suggesting that we be harmful; he says: “If you can bite, you generally don’t have to.” But how do we avoid being weak? We must first understand ourselves.

It is not uncommon for someone to feel confused—after all, we, as human beings, are complex. Remarkably, Peterson points out that we might think we believe something, or we might say to others that we believe something, but often there is an inconsistency that confuses us and hinders our progress in the pursuit of meaning. Peterson suggests that instead, we should carefully observe how we act, as this might truly reflect our underlying thoughts. By carefully observing and understanding our actions—and making deliberate adjustments—we can slowly move closer to the possible meaning we may be seeking.

The ending of Peterson’s book does not hide that he has been heavily influenced by Chinese philosophy: “And maybe when you are going for a walk and your head is spinning, a cat will show up, and if you pay attention to it, then you will get a reminder for just fifteen seconds that the wonder of Being might make up for the ineradicable suffering that accompanies it.” Cats, which embody Taoism nicely (see John Gray’s Feline Philosophy), remind us that not having a grand meaning in life is actually okay too. “Being requires limitation.” Perhaps suffering and chaos are things we can never get rid of, but perhaps that’s exactly what makes us human.

12 rules for life : an antidote to chao

▸ 12 rules for life : an antidote to chao

Autor:Jordan B. Peterson

Editora:Penguin Random House Canada Publisher

Data de Publicação:2018