Fazer A Arqueologia Do Saber Com Foucault Cheong Kin Man

Antropólogo visual natural de Macau e Mathilde Denison, artista e sinóloga belga, começaram, em 2017, a escrever juntos na revista electrónica sobre a cultura chinesa, “Extramuros”. Actualmente são correspondentes culturais do Jornal Tribuna de Macau em Berlim, onde vivem. Escrevem sobre cultura em alemão, chinês, inglês, francês e português.

Fazer A Arqueologia Do Saber Com Foucault

“Nascemos no saber. Alguém como eu, nascido na burguesia provinciana, não foi criado, amamentado com saber? Mesmo antes da escola primária, estávamos imersos num meio, num sistema em que a regra de existência, a regra da promoção, eram saber um bocado mais, ser um aluno dos melhores na aula. Desde pequeninos, estávamos em competição. Sempre banhei, patinhei no saber. É da sorte? Gostaria de tentar desembaraçar-me disso. Mas como não é possível, vou tentar encontrar outras vias, outras diagonais, dar a volta... Encontrar algo que não faça parte do saber. Mas que mereça fazer parte dele.”

—Michel Foucault em entrevista a Jacques Chancel em 1975.

 

Filósofo francês nascido em 1926 e falecido em 1984, Michel Foucault, cujo pensamento foi primeiro associado ao estruturalismo, é hoje considerado um dos maiores pensadores do pós-modernismo. Depois de ter ensinado na universidade experimental “Le Centre Universitaire de Vincennes”, foi, de 1970 a 1984, titular de uma cátedra no Collège de France, intitulada “História dos Sistemas de Pensamento”. Militante político, lutou igualmente pela defesa dos direitos dos trabalhadores imigrantes e dos prisioneiros.

Publicado em 1969 pela Gallimard, o livro A Arqueologia do Saber de Foucault inscreve-se na continuidade das suas obras precedentes, “As Palavras e as Coisas” e “A História da Loucura”. Em comparação com outros livros seus, A Arqueologia do Saber tem sido relativamente pouco comentado e isso só faz com que o desafio de comentar esta obra fique ainda mais atraente.

“Os meus livros foram os estudos de história, mas não o trabalho de historiador.”

— Michel Foucault citado por Gilles Deleuze durante um dos seus cursos sobre o assunto em 1985.

Se os livros de história nos acostumaram a alguma coisa, é bem à abordagem clássica onde o “historiador”, ao longo das suas investigações, faz falar os vestígios que descobre. Numa abordagem histórica, estes vestígios vistos como objectos congelados que estariam por baixo da terra como que à espera do “historiador”, este sujeito que irá fazê-los falar ao dar-lhes e mesmo ao impor-lhes um significado, um saber, ou seja, a verdade, que diremos deles.

Esta descrição do trabalho do “historiador” parece corresponder exactamente ao método do “arqueólogo”. No título do seu livro, e é aqui que se exige muita prudência, se Foucault usa a palavra arqueologia, é numa direcção completamente oposta. Como o filósofo diz na entrevista com Jacques Chancel em 1969: “Arqueologia é uma palavra vilã.” Apesar do aspecto histórico que a maioria dos seus livros pode assumir, Foucault, A Arqueologia do Saber, tem, mais uma vez, o cuidado de não agir como “historiador”.

Neste livro, que o autor divide em cinco partes (“Introdução”, “As Regularidades Discursivas”, “O Enunciado e o Arquivo”, “A Descrição Arqueológica” e “Conclusão”), Foucault desenrola a metodologia da sua abordagem arqueológica, que tanto se acautela de não tomar os vestígios históricos como objectos imóveis e inertes, como de não considerar o “historiador” como o sujeito que atribui significado aos vestígios.

A Arqueologia do Saber, o saber histórico não se baseia mais nessa relação objecto-sujeito que os livros de história fizeram e às vezes ainda fazem. Foucault questiona a relação entre os saberes históricos enquanto enunciados ou discursos e os vestígios ou factos históricos dos quais estes saberes históricos falam. Por outras palavras, nesse livro, é a própria formação dos saberes históricos que é analisada. Como nas suas obras precedentes, Foucault não se contenta em fazer uma história das mentalidades ou comportamentos de uma época.

Adicionalmente, e num trabalho que se aproxima mais de um filósofo do que de um “historiador” - Foucault propõe-se mostrar que a sua metodologia consiste em descobrir as condições que, na cada época, permitiram tanto a formação de mentalidades e comportamentos como os “historiadores” viam a história, os seus enunciados e os seus discursos erigiram nos saberes históricos na base dos vestígios e dos factos que eles souberam fazer falar. Ao falar das suas críticas às instituições sociais, das suas teorias gerais sobre o poder e também dos seus comentários sobre a psiquiatria - para citar apenas alguns dos seus temas mais recorrentes - os diferentes textos de Michel Foucault foram ficando cada vez mais complexos.

Os seus escritos podem parecer de difícil acesso, mas o seu objectivo foi voltar a dar a vida a um saber académico muitas vezes julgado, na sua época, como demasiado rígido ou sem vitalidade. Nascido na burguesia provinciana, Foucault cresceu, nas suas próprias palavras, “amamentado com saber”. No entanto, ele nunca considerou isso como algo bom. Ao contrário, é dessa concepção, desse saber burguês, que ele tentou desembaraçar-se durante toda a sua vida.

Foucault, para além de ser um grande autor dos seus tempos e de hoje, era igualmente uma personagem pública. Teve sempre cuidado em referir “no ocidente” ou “na civilização ocidental”, ao falar da sua parte do mundo. Esta simples atitude contrasta com o comportamento que observamos na bolha intelectual da Europa central onde, por vezes, se assume que a visão ocidental é válida para todo o mundo.

Ouvi-lo, nas suas inúmeras entrevistas, a falar de uma maneira sempre tão simples, tão viva, tão adequada e tão próxima do seu público, e onde uma coisa se torna evidente: Michel Foucault foi um homem profundamente da esquerda e empenhado a dar um lugar no reino do saber a todas aquelas vozes, até então julgadas não terem possibilidade de entrar nele.

Jacques Chancel (1928-2014), autor do incontornável programa “Radioscopie” para o rádio francês France Inter, fez mesmo um trabalho eminente sobre Foucault tendo mostrado ao público um filósofo com humor e autenticidade quando confrontado com as mais simples questões do jornalista gálico.

Este homem de palavras e de acções lutou durante toda a sua vida, tanto por meio de seus escritos, quanto pelo seu empenho político pelos mais desprovidos e desfavorecidos, denunciando os mecanismos de poder relacionados com a produção e partilha do conhecimento, o que até então não tinha sido analisado e discutido .

Uma nota adicional ao título A Arqueologia do Saber

Dado que estamos a escrever sobre Foucault e A Arqueologia do Saber numa revista de Macau, território no qual muitas línguas coexistem, depara-se-nos uma excelente oportunidade para analisar a etimologia do título do livro em causa em várias línguas.

O título português, A Arqueologia do Saber, como a língua portuguesa se aproxima do seu homólogo francês, transmite (quase) a mesma ideia do título na língua original, como acontece com o título alemão: o verbo substantivado “Saber”.

Já no título inglês ou polaco, com as diferenças que existem face à língua francesa, é usado o substantivo “knowledge” ou “wiedza” (conhecimento).

Os termos, a “arqueologia” e “saber” (enquanto sinónimo de conhecimento), são conceitos de origem ocidental e que foram integrados nas línguas e culturas do mundo confucianista há cerca de um século, principalmente através do japonês durante a modernização ou ocidentalização do Japão. 知識 (conhecimento em chinês), e as suas exactas equivalências em coreano, 지식 e, em vietnamita, tri thức, foram originados numa Ásia oriental onde floresciam movimentos de regeneração com suporte no conhecimento ocidental.

Sendo um empréstimo linguístico do chinês clássico e composto por dois caracteres chineses, tanto 知 como 識 têm uma grande flexibilidade gramatical na sua origem. Hoje, esta palavra composta por estes dois caracteres sino-asiáticos como uma palavra única mostra a sua ascendência linguística: um conceito de origem ocidental que categoriza e significa “à europeia”.

Esta adaptação cultural aconteceu provavelmente primeiro em língua japonesa. No entanto, é a única língua do mundo confucianista que volta a procurar, a fazer uma “arqueologia” à sua própria maneira de “saber”, palavra com um só caracter 知, um pictograma que pode ser usado tanto substantivo como verbo, o que coincide com o caso do título original francês, “Savoir”, que partilha a mesma etimologia latina da palavra portuguesa “Saber”.

A Arqueologia do Saber

▸ A Arqueologia do Saber

Author:Michel Foucault

Translator:Miguel Serras Pereira

Publishing House:Edições 70

Year of Publication:2014

An Experience Sharing On Learning To Be Excellence Jessica C.I. Lai

Graduated from the University of Edinburgh, Jessica is the champion of the International Institute of Macau Young Researcher Award 2018 and contributes regularly to various publications in Macao.

An Experience Sharing On Learning To Be Excellence

Educated: A Memoir is the story about the author Tara Westover’s endeavour and transition from a conservative rural family to the University of Cambridge. As Westover shares her story and is brutally honest with her vulnerability, her experience shows different struggles students often face at college. The book particularly describes the tensions between family and personal pursuit. She also depicts the importance of persistence and the power of a strong will when facing challenges. This review will highlight Westover’s life-changing journey and epiphanies about the power of education from the story.

 

In Educated: A Memoir, it is divided into three parts – part one focuses on Westover’s childhood life in Idaho, one of the poorest states in the US. Part two is about her transition to university and the conflict between education opportunities and family. Lastly, part three focuses on Westover’s transformation and the end of her relationship with her family. At the end of the story, she still couldn’t gain her parents’ support but she has truly become “herself”.

Westover was sheltered and raised in a devout Mormon family in the remote mountains of Idaho. Her father ran a scrapyard and her mother worked as a midwife. Westover’s elder brother Seth was abusive, both physically and emotionally, she was often repeatedly beaten and abused by him. Her father was suspicious of the government and he considered the healthcare system, education system, and any institutions to be brainwashing and scheming. Her father believed the government and the social system are conspiracies. Therefore, Westover and her family members never saw a doctor; severe injuries were always treated at home and she had no medical records at all. Her mother got a brain injury in a car accident but never fully recovered. She and her siblings weren’t even issued birth certificates.

Westover grew up without learning how to read and write and she was forced to work for her parents’ scrapyard during her whole childhood. Fortunately, she gradually realized the need to learn more and become educated in order to escape from the world her family had trapped her in. But how could she leave her parents and jump into the new and unfamiliar world that her parents had been protecting her from?

Initially, Westover perceived her life as being the same as most of her family members. She was repeatedly brainwashed that all the education she needed was from home but not from schools and the outside world. She thought that her whole life would always be in the remote mountains. Luckily, she got inspired and encouraged by her elder brother Tyler. University and education became an opportunity for her to change and a door to a different kind of life. However, she could only teach herself with the books she needed to prepare for the university entrance exams. As a result, she did well enough to get accepted into Brigham Young University. She was 17 years old before she received any formal education, starting to learn important historical events such as the Holocaust and the Civil Rights Movement. Even though her family had been unsupportive and disappointed in her actions, it is fascinating to see that Westover kept on going and depended on her own effort to study and later earned a master’s degree from the University of Cambridge in intellectual history and was awarded the highly competitive Gates Cambridge Scholarship.

At the end of her book, she wrote, “You could call this selfhood many things. Transformation. Metamorphosis. Falsity. Betrayal. I call it an education” (Westover, 2018, p. 329). Westover’s parents did not see attending university as a good option for a bright future, they just wanted her to stay at home and work for her father’s scrapyard. As a young girl at that time, Westover cleverly predicted how her life would be if she didn’t take any actions. “I knew how my life would play out: when I was eighteen or nineteen, I would get married. Dad would give me a corner of the farm, and my husband would put a house on it. Mother would teach me about herbs, and also about mid-wifery… When I had children, Mother would deliver them, and one day, I supposed, I would be the Midwife. I didn’t see where college fit in.” (Westover, 2018, p. 123)

As a reader who has a very different upbringing from Westover, I truly admire her courage and determination to achieve what she really wants to do as an individual and escape from her family’s long-held prejudice. Her family has influenced her with a lot of Mormom beliefs and emotional burden, but her strong desire to become a better version of herself has overcome all the obstacles. Readers might feel empathetic at first about her original family and most readers probably couldn’t totally relate, but Westover’s success in achieving her goals gives a sense of universal empowerment to us. In the book, she shows how she managed to get herself out of desperate situations when lacking support and help. I’m in awe of her self-learning ability and her strong spirit to take thoughts into actions.

At the same time, her success is also unique and hard to learn from. The toughness she experienced in childhood might in fact be the reason for her success in Cambridge. Without the desperate dilemma she was in, it would be impossible to develop such a strong personality and self-learning abilities. These qualities are definitely educational for children nowadays, particularly in Macao. Her special family environment has helped her persevere in toughness, as she wrote “I could tolerate any form of cruelty better than kindness. Praise was a poison to me; I choked on it.”(Westover, 2018, p.240) Today, children enjoy a lot of material items and they tend to ask for more without putting much effort. While children are enjoying excessive praise from parents, they are more likely to become dissatisfied and narcissistic when they grow up. Parents should be aware of the balance between praise and criticism and how they treat their children might cause them to become overindulged.

Her experience with parents and family might be an extreme version that everyone will somehow go through. At some points in our childhood, we see our parents as our role models and they seem to know everything, but as we grow up, we also notice flaws and limitations in them. It is sad to learn from Westover’s traumatic childhood but her journey to develop the complete “self” is definitely inspiring. Her recollection of the darkest memories makes me feel grateful for the support from my parents and the opportunity of education I have received. Her academic and emotional road truly inspires hope and courage with lots of thought-provoking messages. Without doubt, it is worth reading her story to reflect upon our individual needs and family relationship.

Educated: A Memoir

▸ Educated: A Memoir

Author:Tara Westover

Publishing House:Random House (New York)

Year of Publication:2018