Ainda hoje subsistem muitas dúvidas acerca do facto de Macau se ter mantido neutral durante a segunda guerra mundial e em particular no quadro da guerra sino-japonesa. O facto alimentou extravagantes teorias justificativas, como seja aquela que atribui um papel decisivo ao Brasil que teria ameaçado o Japão com a expulsão de todos os cidadãos japoneses a viver em território brasileiro. Nada mais peregrino, como ideia nuclear, uma vez que a maior parte dos cidadãos oriundos do Império do Sol Nascente a viver na ex-colónia portuguesa possuíam já a nacionalidade brasileira e estavam absolutamente integrados. Outra teoria aponta para a possibilidade de que teria havido um acordo secreto entre Portugal e o Japão no sentido deste respeitar o estatuto de neutralidade conseguido por Salazar relativamente ao grande conflito. É bem possível, mas não se sabe nada sobre o assunto. Para destruir esta análise os historiadores adiantam que se assim fosse os japoneses não teriam invadido Timor. O argumento peca por falta de inteligência ou de informação básica, pois é sabido que o Japão só invade Timor depois deste território ter sido tomado por um exército conjunto de trezentos e cinquenta holandeses e australianos. A partir desse momento o território perde pelo menos simbolicamente a soberania portuguesa o que deixa os japoneses de mãos livres. Claro que as autoridades holandesas e australianas invocaram a invasão como medida cautelar para proteger quer o Timor holandês quer o Norte da Austrália, mas ao ocuparem também o Timor português abriram caminho à possibilidade da invasão de todo o Timor pelo Japão.
Mas há um dado muito relevante que demonstra o carácter amistoso das relações luso-nipónicos e que foi a instalação de um consulado japonês em território de Macau. Esse facto parece confirmar a intenção dos nipónicos de não ocupar Macau, o que de resto veio a suceder. Mas as coisas estiveram escuras pois o cônsul japonês em Macau Yasumitsu Fukui foi logo assassinado, seguramente a mando de nacionalistas chineses. O Japão limitou-se contudo a exigir das autoridades portuguesas um pedido de desculpas e tudo acabou enfim por ficar por isso mesmo, isto é em águas de bacalhau.
Como podemos imaginar daria pano para mangas o desenvolvimento deste tema, mas a dimensão deste texto não o permite. Permito-me contudo assinalar as maiores consequências de todo este fenómeno que como se sabe incendiou o mundo e em particular toda a região do sudoeste asiático. A primeira grande consequência e talvez mesmo a mais importante e duradoura foi a explosão demográfica de Macau que num espaço de tempo muitíssimo curto passou de uma população de aproximadamente 100.000 almas para qualquer coisa como 500.000. Este fenómeno é indissociável do fluxo de refugiados chineses oriundos sobretudo de Hong Kong e Cantão entretanto invadidos e ocupados pelo exército japonês. Mas como os japoneses invadiram praticamente todo o litoral levantino da China desde Cantão até Tianjin passando por Shanghai, há neste fluxo brutal para Macau cidadãos oriundos de todos esses lugares e não apenas cidadãos chineses mas inclusivamente cidadãos portugueses que há muito mercadejavam por essas paragens.
O aumento da população de Macau originou uma grave carência de alimentos o que veio a provocar situações dramáticas de subsistência. O Governo de Macau, representado pelo macaense Pedro José Lobo, procedeu à nacionalização de todos os bens alimentares existentes nos estabelecimentos e armazéns privados de Macau. Mas isso não foi suficiente para resolver o problema e a verdade é que a fome ocorreu mesmo e em larga escala. Por esse motivo a população de Macau voltou a diminuir devido a um fluxo inverso de chineses que após a guerra regressaram às suas aldeias. Contudo a população jamais voltou a aproximar-se dos números anteriores.
No seio da comunidade chinesa e das autoridades da República Popular da China a tese do acordo secreto entre japoneses e portugueses fez caminho, de tal modo que depois da guerra logo em 1946 rolou a cabeça do governador Gabriel Maurício Teixeira, considerado o maior responsável por esse facto. Porém a verdade é que foi esse eventual acordo que manteve Macau ao abrigo do conflito sangrento que devastou a região.

// No filme, John Rabe, fugitivos de diferentes países na zona e segurança de Nanjing ajudaram uns aos outros, reflectindo o lado nobre da humanidade durante as atrocidades da guerra.(Fornecido por Huanyi Brothers International Limited)