Como representante da comunidade macaense, o célebre arquitecto de Macau Carlos Marreiros testemunhou com os seus próprios olhos o constante processo de transformação dos edifícios da cidade antes e depois da Transferência da Administração, sendo um dos responsáveis pelo desenho urbano actual de Macau. No que diz respeito ao antigo edifício da Biblioteca Sir Robert Ho Tung, o arquitecto considera que o elemento de maior destaque é a fachada em arcada, de estilo neoclássico, uma importante componente incorporada pelo arquitecto do edifício no século XIX, com o objectivo de promover a ventilação, devido ao clima subtropical da cidade. A arcada constitui uma espécie de “ar-condicionado ecológico”, permitindo controlar a temperatura e mantê-la aproximadamente nos 21º C. A parte superior da arcada apresenta elementos decorativos de estilo Art Deco. De acordo com Carlos Marreiros, a Biblioteca Sir Robert Ho Tung trata-se de um edifício muito típico de Macau, contendo materiais de origem local, incluindo granito, o qual foi utilizado para substituir a pedra calcária recorrente nos edifícios de estilo português. O edifício original, antes de ser construída a arcada, era de estilo oriental tradicional, resultando, após a intervenção, numa estrutura de estilo arquitectónico sino-ocidental. Posteriormente, Carlos Marreiros aliou-se a um outro grande arquitecto já falecido, o Arquitecto Francisco Figueira, antigo Chefe do Departamento do Património Cultural, para desenvolver um projecto de restauro e design de mobiliário interior da Biblioteca. Esta manteve, em geral, a sua traça original, sendo inclusive preservado o troço da antiga muralha da cidade que se encontra no interior. No jardim, foi ainda utilizado ferro galvanizado para construir um armazém multicolorido de estilo mediterrânico (já demolido).
Na década de 1980, a Biblioteca Sir Robert Ho Tung tornou-se o primeiro centro cultural de Macau, albergando vários espectáculos de pequena dimensão no 2.º piso, o qual tinha capacidade para 100 pessoas e onde chegou a actuar a célebre pianista portuguesa Maria João Pires. Nos primeiros tempos em que esteve aberta ao público, a biblioteca que ocupava o R/C e 1.º piso instituiu um regime de sócios. Nessa altura, Carlos Marreiros ainda estudava na escola secundária. Apesar da sua sede de conhecimento, não era fácil comprar livros estrangeiros em Macau, sobretudo nas áreas da arte, filosofia e arquitectura. Por um acaso da vida, o director do Liceu de Macau e antigo Director dos Serviços de Educação, Dr. Túlio Lopes Tomás, deu-lhe a conhecer a Biblioteca Sir Robert Ho Tung, cujo vasto acervo de livros em português, inglês e outras línguas estrangeiras (enviados de Portugal para as bibliotecas das colónias) expandiu os horizontes de Carlos e onde este fez ainda várias amizades interessantes, como, por exemplo, americanos que estudavam acupunctura em Macau, latino-americanos que ensinavam latim, entre outros.
Os tempos mudam e com eles os padrões estéticos. No eixo entre o antigo e o moderno, a Biblioteca Sir Robert Ho Tung mantém a sua aparência há sessenta anos, sem ter por isso caído no esquecimento e distinguindo-se, ainda hoje, pela sua singularidade. Faz lembrar o que Carlos Marreiros afirmou outrora numa entrevista: “A arquitectura tradicional, pela sua longa história e beleza, é inimitável.”